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domingo, 14 de junho de 2009

Pecado, pecadinho, pecadão...


de Solano Portela, do blog tempora-mores

Explicando o post: Alguns anos atrás foi publicado o livro de multi-autoria ao lado: “Disciplina na Igreja: Uma Marca em Extinção”. Pessoas, realmente conhecidas, como George Knight, Augustus Nicodemus e Valdeci Lopes, escreveram seus capítulos e, por alguma razão indecifrável, coube-me contribuir com dois capítulos. Sou, portanto, um interessado no assunto e achei muito bom os dois últimos posts colocados pelo Dr. Augustus (ausência de disciplina de líderes e sobre Mateus 18). Neles, temos algumas aplicações bem contemporâneas, sobre disciplina bíblica; além do tratamento de outros aspectos que estão presentes no livro em questão. As interações dos leitores, nos comentários desses dois posts, têm sido igualmente bem interessantes. No meio de muitas observações pertinentes e perguntas estimulantes, várias delas confundem a existência do amor real com ausência de disciplina, não compreendendo como esses dois aspectos são biblicamente complementares. Outros comentários observaram a suposta igualdade dos pecados. Um deles disse que a gradação de pecados era uma caracerística "humana" e não divina. Outro, disse que se uma determinada disciplina é aplicada a pecados específicos, porque não tratar todos os pecados (inclusive, foi mencionado o de glutonaria) com penalidades idênticas. A questão da igualdade, ou não, dos pecados, não foi abordada neste livro já mencionado e achei que caberia aqui um post, ainda na mesma linha de pensamento dos dois anteriores.

Todo pecado é igual?
De certo modo é correto se afirmar que todos os pecados são iguais. Em certo sentido, todos os pecados são odiosos perante Deus e suficientes para nos alijar da comunhão eterna com ele. Por isso somos recebedores tão somente de sua graça infinita (em Cristo Jesus) e não temos qualquer mérito em qualquer suposta “vida moral” ou com pouca incidência de pecados, ao sermos aceitos por ele.

Assim nos ensina a Pergunta 152 do Catecismo Maior de Westminster, que diz:
“O que cada pecado merece da parte de Deus”?
R: Todo pecado, até o menor, sendo contra a soberania, bondade, santidade de Deus, e contra a sua justa lei, merece a sua ira e maldição, nesta vida e na vindoura, e não pode ser expiado, senão pelo sangue de Cristo.

As referências dadas são: Tg 2.10,11; Ml 1.14; Dt 32.6; Hc 1.13; I Pe 1.15,16; Lv 11.45; I Jo 3.4; Gl 3.10; Ef 5.6; Pv 13.21; Mt 25.41; Rm 6.21,23; Hb 9.22; I Jo 1.7; I Pe 1.18,19, das quais citamos apenas Tiago 2.10: “Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos”.

Há, portanto um grau de veracidade na afirmação – “todo pecado é igual” - o menor dos pecados já nos faz culpados por não guardar os princípios de justiça de Deus. No entanto, essa afirmação deve ser bem entendida e qualificada, pois não representa o todo da verdade. Por exemplo, ouvi uma pessoa comentando e defendendo um pecado cometido por um líder evangélico, comparando-o com uma mentira cometida por ele próprio (o defensor). Ele disse: “... o erro do .... foi tão grave diante de Deus quanto o foi hoje de manhã eu ter pedido que dissessem que eu não estava, só para não atender o telefonema de um ‘amigo’ chato”.
Existe, ou não, diferenciação de pecados?
Acontece que não é bem assim, como colocou a pessoa acima, pois é o próprio Deus que nos ensina existir uma GRADAÇÃO de pecados - alguns realmente, são mais odiosos do que outros. E essa é a interpretação, também, do Catecismo Maior da Confissão de Fé de Westminster, exatamente nas perguntas que precedem a que já examinamos, acima. As perguntas 150 e 151 mostram que a idéia de que não existe “pecadinho” e “pecadão” é uma noção comum, muito propagada em nossas igrejas, mas não é Bíblica. As respostas a essas perguntas 150 e 151, mostram o sentido em que são diferentes, enquanto que a resposta à 152, mostra o sentido no qual os pecados são iguais. Vejamos:

Pergunta 150.
"São todas as transgressões da lei de Deus igualmente odiosas em si mesmas à vista de Deus"?
R: Todas as transgressões da lei de Deus não são igualmente odiosas; mas alguns pecados em si mesmos, e em razão de diversas circunstâncias agravantes, são mais odiosos à vista de Deus do que outros.
Refs.: Hb 2.2,3; Ed 9.14; Sl 78.17,32,56.
Pergunta 151.
"Quais são as circunstâncias agravantes que tornam alguns pecados mais odiosos do que outros"?
R: Alguns pecados se tornam mais agravantes:
1º) Em razão dos ofensores, se forem pessoas de idade mais madura, de maior experiência ou graça; se forem eminentes pela vida cristã, dons, posição, ofícios, se forem guias para outros e pessoas cujo exemplo será, provavelmente, seguido por outros.
Refs.: Jr 2.8; I Rs 11.9; II Sm 12.14; I Co 5.1; Tg 12.47; Jo 3.10; II Sm 12.7-9; Ez 8.11,12; Rm 2.21,22,24; Gl 2.14.
2º) Em razão das pessoas ofendidas, se as ofensas forem diretamente contra Deus, seus atributos e culto, contra Cristo e sua graça; contra o Espírito Santo, seu testemunho e operações; contra superiores, pessoas eminentes e aqueles a quem estamos especialmente relacionados e a quem devemos favores; contra os santos, especialmente contra os irmãos fracos; contra as suas almas ou as de quaisquer outros, e contra o bem geral de todos ou de muitos.
Refs.: I Jo 5.10; Mt 21.38,39; I Sm 2.25; Rm 2.4; Mt 1.14; I Co 10.21,22; Jo 3.18,36; Hb 6.4-6; Hb 10.29; Mt 12.31,32; Ef 4.30; Nm 12.8; Pv 30.17; Zc 2.8; I Co 8.11,12; I Ts 2.15,16; Mt 23.34-38.
3º) Pela sua natureza e qualidade de ofensa, se for contra a letra expressa da lei, se violar muitos mandamentos, se contiver em si muitos pecados; se for concebida não só no coração, mas manifestar-se em palavras e ações, escandalizar a outrem e não admitir reparo algum; se for contra os meios, misericórdias, juízos, luz da natureza, convicção da consciência, admoestação pública ou particular, censuras da igreja, punições civis; se for contra as nossas orações, propósitos, promessas, votos, pactos, obrigações a Deus ou aos homens; se for feita deliberada, voluntária, presunçosa, imprudente, jactanciosa, maliciosa, freqüente, e obstinadamente, com displicência, persistência, reincidência, depois do arrependimento.
Ref.: Ez 20.12,13; Cl 3.5; Mq 2.1,2; Rm 2.23,24; Pv 6.32-35; Mt 11.21-24; Dt 32.6; Jr 5.13; Rm 1.20,21; Pv 29.1; Rm 13.1-5; Sl 78.34,36,37; Jr 42.20-22; Sl 36.4; Nm 15.30; Ez 35.5,6; Nm 14.22,23; Zc 7.11,12; Pv 2.14; Jr 9.3,5; II Pe 2.20,21; Hb 6.4,6.
4º) Pelas circunstâncias de tempo e de lugar, se for no dia do Senhor ou em outros tempos de culto divino, imediatamente antes, depois destes ou de outros auxílios para prevenção ou remédio contra tais quedas; se em público ou em presença de outros que são capazes de ser provocados ou contaminados por essas transgressões.
Ref.: Is 22.12-14; Jr 7.10,11; Ez 23.38; Is 58.3,4; I Co 11.20,21; Pv 7.14,15; Ne 9.13-16; Is 3.9; I Sm 2.22-24.
Se estudarmos com maior profundidade a questão, portanto, aprendemos que realmente existe gradação. Uma outra maneira de verificar isso é pelas diferentes penas aplicadas aos diversos crimes na lei judicial (ou civil) de Israel. Essa Lei foi dada pelo próprio Deus.

É cristão demonstrarmos entendimento e solidariedade, na face do arrependimento sincero. Na ausência desse, a Palavra nos manda até quebrarmos as associações de amizade (nem mesmo "comer" com o impenitente, para que ele, sacudido por esse terremoto social, se arrependa – 1 Co 5.11). Podemos (e com frequencia fazemos) quebrar os princípios de justiça de Deus, desprezando a disciplina; achando que são passos injustos; ou seja, querendo exceder a benevolência e benignidade de Deus - sermos mais caridosos do que ele nos manda ser. Quando isso ocorre no seio da família - expressamos um amor equivocado, não disciplinamos os filhos, criamos seres que desrespeitam a hierarquia e que se dão mal - no futuro. Quando fazemos no seio da igreja, contribuímos para a concretização de uma igreja doentia e conivente com o pecado.

O mesmo erro deve ser sempre penalizado de forma igual?
Um outro argumento utilizado pelos que querem enfatizar tão somente a igualdade dos pecados (não somente entre si, mas também quando cometidos por pessoas diferentes) é dizer que seria incoerência penalizar pessoas de forma diferente, desde que cometam o mesmo erro.

Como já vimos, não é isso o que ensina a Palavra nem o que registram as Confissões reformadas. Existe, sim, diferenciação de gravidade, mesmo tendo sido cometido o mesmo pecado. A questão é que o pecado não é só o incidente isolado (é até impossível se isolar um incidente), mas não pode ser ignorada a forma como ele afeta mais ou menos pessoas. Pecados cometidos por lideranças, são muito mais graves do que o mesmo pecado cometido por alguém que esteja sendo instruído na fé.

Pecados “mais” e “menos ruins”:
Existe um conceito relativo (do zero para baixo) nos pecados - com relação a ruindade intrínseca de cada um. Concordamos que qualquer pecado é suficiente para nossa condenação, mas temos que reconhecer que o que concebe, mas não pratica, pecou um pecado "menos ruim" do que aquele que o levou às suas últimas conseqüências. Quanto mais o pecado se alastra (como no caso de David, que tentava acobertá-lo) mais pessoas são atingidas e mais sofrimento é gerado.A parte prática está exatamente no dano que um líder causa, quando peca. Não é errado esperarmos um comportamento exemplar (no contexto de que somos todos pecadores) da parte do líder (1 Tm 4.12), pois assim a Palavra no direciona. O Salmista pede que nós não sejamos "causa de vergonha" (Sl 69.6). O dano ao evangelho é muito grande, quando o pecado está presente e é observado na vida do líder.

Ainda que todos os pecados sejam odiosos e suficientes para nos alijar da santidade de Deus, a não ser pela graça e misericórdia dele e pelo sacrifício de Cristo, existem pecados "mais ruins do que outros"; ou em circunstâncias "mais ruins do que outras". Se fôssemos diagramar os pecados, seria uma "plotagem" abaixo do eixo das abscissas - todos "abaixo de zero". Mas os pecados da liderança fazem “desencaminhar a muitos” e a muitos tropeçar na sua compreensão da lei de Deus, como nos diz Malaquias 2.7-8 - "Pois os lábios do sacerdote devem guardar o conhecimento, e da sua boca devem os homens procurar a instrução, porque ele é o mensageiro do Senhor dos exércitos. Mas vós vos desviastes do caminho; a muitos fizestes tropeçar na lei..."

Agravantes e atenuantes:
Na Igreja Presbiteriana do Brasil, em seu Código de Disciplina, há uma consideração sobre os "agravantes " e "atenuantes", com relação ao mesmo pecado, nos casos de disciplina. O texto completo, que fala das circunstâncias atenuantes e agravantes, é o seguinte:

(Art. 12) –
São atenuantes:
a) pouca experiência religiosa; b) relativa ignorância das doutrinas evangélicas; c) influência do meio; d) bom comportamento anterior; e) assiduidade nos serviços divinos; f) colaboração nas atividades da Igreja; g) humildade; h) desejo manifesto de corrigir-se; i) ausência de más intenções; j) confissão voluntária.
§2º -
São agravantes:
a) experiência religiosa; b) relativo conhecimento das doutrinas evangélicas; c) boa influência do meio; d) maus precedentes; e) ausência aos cultos; f) arrogância e desobediência; g) não reconhecimento da falta. Art.14 - Os Concílios devem dar ciência aos culpados das penas impostas: a) Por faltas veladas, perante o tribunal ou em particular; b) Por faltas públicas, casos em que, além da ciência pessoal, dar-se-á conhecimento à Igreja.

Conclusão:
Assim, creio que ser bíblico, prudente e necessário, concluirmos pela existência de distinção ou gradação de pecados, sem esquecer que todos eles são odiosos, perante Deus, e que mesmo o menor deles nos afasta de sua santidade e nos faz merecedores da condenação eterna.

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